Assim
como são diferentes as cores de um arco-íris, a primeira cor que nos
revela o budismo é que o amor pode ser uma compaixão. Um estado de
consciência não fixado sobre um objeto particular. Sob todas as
circunstâncias o importante é permanecer capaz de amar.
A arte de amar no budismo será um trabalho a realizar em nossos
pensamentos, em nossas projeções e em nossas ilusões. Será necessário
deixar emergir este amor feito de calma, um amor não apenas de pulsão e
de carência mas de uma plenitude de paz. Desenvolver o que poderíamos
chamar, a priori, de benevolência. Reencontrar nossa bondade natural.
“Desfranzir-nos”, transformar as garras de nossas mãos em carícias.
Os chineses poderiam nos ajudar a desenvolver o sentido da harmonia,
passando do contrário ao complementar. Em vez de ver o outro, o que ele
pensa ou diz, como qualquer coisa oposta a nós, vê-lo como complementar,
como um ponto de vista que vem enriquecer nosso ponto de vista. Isso,
em verdade, requer maturidade, não ter medo da diferença. A diferença
enriquece a minha visão de mundo. Em um campo não há flores apenas de
uma só cor e as diferentes cores nos permitem fazer um belo ramalhete.
Harmonizar sua cor, seu pensamento, seu ponto de vista, com outra cor,
com outro pensamento, com outro ponto de vista, é também amor.
A Índia poderia nos ensinar a desenvolver em nós o sentido do sagrado
que existe em cada coisa. Amar a sabedoria do feminino na mulher, amar a
sabedoria do masculino no homem, amar a presença do Criador na
criatura, amar o oceano em todas as ondas. Esta atitude poderia dar
profundidade a nossos atos de amor. Quando tocar alguém, não tocar
apenas um corpo, mas tocar um ser humano, um sopro cósmico, porque a
Grande Vida está presente neste rosto que me olha. Quero, neste caso,
reconhecer a presença divina no outro. Como no budismo, a arte de amar
na Índia é a arte da meditação, a arte da atenção e da visão profunda.
A Grécia pode também nos ensinar a amar. Aceitar que só conhecerei a
mim mesmo através do outro. Meu modo de amar e de reagir ao outro me
revela a mim mesmo. O outro é, também, meu espelho. Não há verdadeiro
conhecimento de si mesmo que não passe pelo outro. Assim, antes de
querer se doar é preciso ter se encontrado. Antes de ir além do ego é
preciso ter um.
Quando digo que amo alguém o que é que eu amo, o que é que ama em
mim? Frequentemente são nossos inconscientes que se encontram. Muitas
vezes ocorre o casamento de dois inconscientes. Para tornar-se sujeito
há um longo caminho a percorrer. Como diz o poeta Rilke, o amor é
constituído por “duas humanidades que se inclinam uma diante da outra”.
A arte de amar no judaísmo nos traz a consciência de que nossos
amores humanos são uma participação no ato criador de Deus. Lembra-nos
que o outro não é apenas um meio de conhecimento de nós mesmos. O outro é
a revelação de uma transcendência. A tradição judaica adiciona o
respeito ao amor. Nem idolatria nem desprezo, porque temos sempre
tendência a um dos dois ou a ambos. Mas um caminho do meio, pois o
respeito é uma dimensão muito nobre do amor e é o que dá nascimento à
Ética.
Para Kant, a Ética consiste em nunca fazer do outro um meio. O outro
não deve ser, jamais, um meio que eu possa utilizar para chegar a um
fim. Ele é um fim em si mesmo, é um sujeito, não é um objeto. Portanto,
nesta tradição, a arte de amar é, realmente, um sentido do outro
enquanto sujeito. É também uma lembrança de que a sociedade que podemos
construir não será uma bela máquina cujas molas estarão sempre
perfeitamente lubrificadas, mas uma assembleia de pessoas que, sem
cessar, estarão aprendendo a amar.
O cristianismo nos convida a esta liberdade que se encontra na
palavra Ágape, o amor na superabundância, o amor de gratuidade. Mas
antes de conhecer este tipo de amor, existirão em nossos amores
necessidades, solicitações, desejos, sempre com uma orientação em
direção a uma maior autonomia e uma maior liberdade. Uma liberdade de
amar o outro em sua diferença, de amar o divino no outro, de amar o
outro como a mim mesmo, reconhecendo-me nele.
O amor do Si, o amor a Si e o amor do outro não estão separados. As
diferentes tradições insistem mais em um ponto que em outro e cabe-nos
fazer a síntese, alargar nossa paleta de cores do amor. Não podemos
negligenciar nenhuma cor, nem o instinto nem o êxtase, nem o céu nem a
terra. Unir não quer dizer misturar. Distinguir não quer dizer separar.
Cristo diz: “Você amará!” Esta palavra não é uma ordem, não é um
mandamento no sentido habitual do termo, é uma esperança. É um devir.
Hoje você não ama, você ama mal ou ama apenas uma parte de si mesmo.
Talvez um dia, e dia após dia, você amará com todo o seu coração, com
todo seu espírito e com todas as suas forças.
Todas as culturas, todas estas tradições, enriquecem nossa visão do
amor. Amar é tudo isso junto. Sem cessar temos que alargar nossa paleta
de cores a fim de chegar ao conhecimento do arco-íris, em um longo
caminho. E podemos desejar uns aos outros uma boa viagem, lembrando-nos
que, se devemos morrer um dia, não morreremos sem ter vivido e, se
quisermos, não morreremos sem ter amado.
Jean-Yves Leloup
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2 comentários:
Os textos de Jean-Yves são " um deleite"💗Amat é uma esperança !!💞✨💞
Concordo, Regina
A maturidade nos levará a esse amor.
Abraços.
Alzira
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