o-apego-ao-ego-e-a-auto-importancia-sao-os-melhores-imas-para-atrair-o-sofrimento“O ego - escreve o filósofo budista Han de Wit - é também uma reação afetiva ao nosso campo de experiência, um movimento mental de recuo baseado no medo”.
Por medo do mundo e dos outros, por receio de sofrer, por angústia sobre o viver e o morrer, imaginamos que ao nos escondermos dentro de uma bolha - o ego - estaremos protegidos. Criamos, assim, a ilusão de estarmos separados do mundo, acreditando que dessa forma evitaremos o sofrimento. 

Na realidade, o que acontece nesse caso é justamente o contrário, uma vez que o apego ao ego e à auto importância são os melhores ímãs para atrair o sofrimento.
O genuíno destemor surge com a confiança de que seremos capazes de reunir os recursos interiores necessários para lidar com qualquer situação que surja à nossa frente. Isso é totalmente diferente de retirar-se na auto absorção, uma reação de medo que perpetua profundos sentimentos de insegurança.
Cada um de nós é, de fato, uma pessoa única, e está certo reconhecermos e apreciarmos quem somos. Mas ao reforçarmos a identidade separada do ego, perdemos a sintonia com a realidade. A verdade é que somos fundamentalmente interdependentes das outras pessoas e do ambiente. Nossa experiência é o conteúdo do fluxo mental, do continuum da consciência, e não há justificativa para ver o ego como uma entidade distinta desse fluxo.
Imagine uma onda que se propaga, influencia o ambiente e é influenciada por ele, sem que por isso se transforme no meio de veiculação ou transmissão de qualquer entidade particular.
Porém estamos tão acostumados a fixar o rótulo de “eu” a esse fluxo mental, que chegamos a nos identificar com este último e temer o seu desaparecimento. Segue-se daí um poderoso apego ao ego e à noção de “meu” - meu corpo, meu nome, minha mente, minhas posses, meus amigos, e assim por diante, que leva ao desejo de possuir ou ao sentimento de repulsa pelo “outro”.
É assim que os conceitos de “eu” e “outro” se cristalizam na nossa mente. Ficamos com a impressão errada de que existe uma dualidade irredutível e inevitável, criando assim a base para todas as nossas aflições mentais, como o desejo alienante, o ódio, o ciúme, o orgulho e o egoísmo.
Nesse ponto percebemos o mundo através do espelho deformante das nossas ilusões e permanecemos em desarmonia com a verdadeira natureza das coisas, o que leva à frustração e ao sofrimento.
Matthieu Ricard